quarta-feira, outubro 26, 2005

Sebastian Zero

As ideias enchiam-me a cabeca, em catadupas, e mal as rabiscava no papel eram logo substituidas por outras. Por fim atingi aquele ponto em que abandonamos toda a esperanca de recordar as nossas brilhantes ideias e nos entregamos, pura e simplesmente, ao luxo de escrever um livro mentalmente. Sabemos que nunca conseguiremos recapturar essas ideias, nem uma unica linha de todas as frases tumultuosas e maravilhosamente entrosadas que se escoam atravez do nosso cerebro como serradura a entornar-se por um buraco.

Em tais dias temos por companhia o melhor companheiro que jamais teremos - o modesto, vencido, laborioso e prosaico eu que tem um nome e pode ser identificado no registo civil em caso de acidente ou morte. Mas o eu verdadeiro, o que tomou o comando, eh quase um desconhecido. Eh ele que esta cheio de ideias, eh ele que esta a escrever no ar- serah ele que, se ficarmos excessivamente fascinados com as suas proezas, acabara por expropriar o antigo e gasto eu e se apoderara do nosso nome, da nossa morada, da nossa mulher, do nosso passado e do nosso futuro.

Naturalmente que, quando nos encontramos com um velho amigo em semelhante estado de euforia, ele nao deseja admitir, acto continuo, que temos outra vida, uma vida ah parte em que nao participa de modo algum. Observa, com abslouta ingenuidade "Hoje estas a sentir-te formidavel, Hein?" E nos acenamos com a cabeca, quase envergonhados.

Henry Miller

1 Comments:

Blogger sofia said...

adorei essa passagem:)

8:36 da tarde  

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